27.6.06

26.6.06

[conversas escritas]

Um dos textos mais bonitos que já li aqui pela blogosfera. Do Vítor do [conversas escritas]. De alguém que pega nas palavras, cozinha-as, dá-lhes a cor e o sabor. Por vezes doce, por vezes amargo, mas sempre belo.

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A sala é imensa.
A sala é imensa, penso. Quando eras tu e eu a sala era igualmente imensa, mas sabia-me bem estar numa sala imensa, contigo.
Nessa altura as mulheres consideravam-me um fragmento de mundo e viviam em mim aquilo que julgavam ser uma viagem. Chegavam e partiam como se nunca as tivesse realmente entendido.
Foi numa dessas jornadas que te conheci, mas ao contrário das outras paixões que por aqui se detinham momentaneamente, tu julgavas ter descoberto em mim aquilo que só hoje descobri em ti.
E deste modo, as horas entre nós tornaram-se cada vez mais espessas até eu desaparecer. Fugir do amor é isso mesmo, é pegar nas malas que deixaste em mim, escondê-las cá dentro, no fundo do que sou, e depois dizer-te que desapareceram e que as deves ir procurar.
Essa foi a mentira que desenhei para mim, e hoje, nesta sala imensa, rodeado de nada, não encontro a verdade.

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sublinhados (ii)

sublinhados: palavras lidas, relidas, sentidas. por nós ou por tantos outros iguais a nós...

-Deixa-me ficar aqui – disse-lhe. - Sim, havia sabonete.
Quando recordavam este episódio, já no remanso da velhice, nem ele nem ela podiam crer na verdade assombrosa de que aquela discussão fora a mais grave de meio século de vida em comum, e a única que lhes deu aos dois vontade de desistir e começar uma vida diferente. Mesmo quando já eram velhos e tranquilos evitavam falar dela, porque as feridas acabadas de cicatrizar voltavam a sangrar como se fossem de ontem.

O Amor nos Tempos de Cólera
Gabriel García Márquez

23.6.06

Bora lá...




... pró S. João!


de A Cidade Surpreendente
(conhecem melhor sítio onde encontrar imagens fantásticas do nosso Porto?)

sublinhados

sublinhados: palavras lidas, relidas, sentidas. por nós ou por tantos outros iguais a nós...

Num dia, no cúmulo do desespero, ela tinha-lhe gritado: "Não te dás conta de como sou infeliz." Ele tirou os óculos, num gesto muito seu, sem se alterar, inundou-a com as águas diáfanas dos seus olhos pueris e, com uma só frase, deitou-lhe em cima todo o peso da sua sapiência insuportável: "Lembra-te sempre que o mais importante num casamento não é a felicidade mas a estabilidade." Logo nas suas primeiras solidões de viúva entendeu que aquela frase não escondia a ameaça mesquinha que lhe tinha atribuído em tempos mas a pedra de toque que lhes tinha proporcionado tantas horas felizes.

O Amor nos Tempos de Cólera
Gabriel García Márquez

22.6.06

Às vezes gostava de ter um amigo. Bastava um único. Para, em alturas como esta, ligar-lhe, corrermos os dois até à Foz e, em silêncio, observarmos o pôr do sol. Sim, de facto é em silêncio que eu me encontro agora. Mas falta-me aquela respiração reconfortante a meu lado. Que me acalma, que me acarinha. Vivo rodeada de gente a quem teimo em etiquetar de amigo. Mas nem todos os rótulos exprimem verdadeiramente o que encontramos dentro do frasco. E vou continuando a procurar, nos longos corredores dos hipermercados...

Quais serão os ingredientes que me rotulam? Será que o bocado de papel que me envolve também engana quem o lê? Terei eu também uma etiqueta que não identifica o meu eu?

Passo muitas vezes pela Foz. Verifico se algum dos que comprou o meu frasco, naquele hipermercado, procura ver o pôr do sol acompanhado. Passo em silêncio. Talvez seja só da minha respiração que necessita.

Hoje, sou eu que corro, sozinha, até à Foz.

21.6.06

Verão


Giuseppe Arcimboldoer, Summer

Esta noite preciso doutro verão sobre a boca crescendo nem que seja de rastos.

Eugénio de Andrade
Verão sobre o corpo

entre as 15 e as 17...

Se eles podem,



se eu posso,



porque não hão-de eles também poder?



Hoje, das 15h às 16:45, não percam



serão os únicos deste país que irão correr!

14.6.06

Preferia não te ter visto

Todos os dias digo a mim mesma, como se tu fosses eu, hoje não vou pensar em ti. Que ingénua que sou, nessa pequena frase já está o maior dos pensamentos…
Há uns dias atrás, tive um fim-de-semana tão preenchido, tão divertido, que dei por mim, quando voltava a casa e via o sol nascer, radiante de felicidade porque nesse dia não tinha pensado em ti. Ri, sorri, cantarolei, como se de uma vitória se tratasse. O Amor tem destas coisas, uma capacidade enorme de nos transformar em crianças.
Já não me lembrava de te ver, hoje aconteceu. Os meus olhos, que sempre teimam em ver tudo, desta vez, pareciam fugir ao inevitável, rodeavam-te mas não te olhavam. Ficou uma sensação de angústia, de estranheza, como se te olhasse de outro ângulo e me parecesses diferente.
Preferia não te ter visto

13.6.06



Desenhos da Prisão
Álvaro Cunhal
1913-2005

Adeus



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade
1923-2005

7.6.06

[noite escura]

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[noite escura]
[noite: s.f. espaco de tempo entre o crepusculo e o amanhecer; obscuridade reinante nesse tempo] [escura: adj. obscura; falta de luz]


Dois meses. Pudesse eu voltar dois meses atrás. Fosse eu capaz disso, fosse eu dono do tempo. Seria a forma de não te saber uma puta, só uma boa menina qualquer de olhos grandes. Porque afinal é isso que pareces e é isso que os outros fazem de ti. Há dois meses tinha um vida calma e um jantar marcado para uma noite de um dia de semana qualquer. Fui um tanso. Porque fiquei logo ao pé de ti, a falar de mim, de olhos bem abertos, de frases soltas, de copo na mão. Tu foste logo atrás, ingénua – pelo menos assim parecias –, querida, bonita… minha. Bem me enganaste. Porque sempre soubeste o que dizias e adivinhaste o que sairia da minha boca. Saiu-me o tiro pela culatra. Acabamos na tua casa e não na minha, contigo a sair do quarto e eu na cama sozinho, perturbado comigo, no que acabara de me transformar: uma extensão de ti, um vazio de mim. Nunca me senti tão nu como ali, mesmo estando já eu meio vestido, despido essencialmente do que deveria estar a sentir: o teu carinho, o meu carinho, o estarmos juntos. Todas essas coisas que mais não eram do que o contrário de nós naquele momento - e como se porventura alguma vez pudesse cometer a ousadia de me referir a nós num só plural. Desde sempre tu e eu.
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Lembro-me daquela conversa de café em que surgiram termos que me eram desconhecidos. E de, em seguida, mergulhar-te em perguntas tentando entender e querer saber mais dessa tua blogosfera. De estranhar o viver-se num mundo virtual, com pessoas virtuais, quem sabe amigos até, onde as palavras fluem e os sentimentos irrompem. E comecei pelo blogue que me indicaste. Li, gostei, até começar a sentir aquela necessidade de o procurar todos os dias. Sim, porque há palavras que não se dizem nas mesas de um café, porque há sensações que só revelamos no nosso mundo virtual, e porque nesse nosso mundo virtual, que é de tantos outros como nós, encontramos o que nós próprios sentimos e nunca soubemos como o manifestar.

E deste blogue fiz uma ponte para tantos outros. Procurei de tudo. Daquela política ou actualidade que não se fala no café, por desinteresse ou ignorância, passando pelo humor, sempre com pitada de inteligência, até aos lençóis da intimidade. Sem nunca deixar de procurar o [noite escura], onde encontrava sempre a familiaridade das palavras. Deixaste morrer essas palavras, ou até, quem sabe, foste revelá-las para outro sítio qualquer, à procura de novos amigos virtuais. Às vezes lá volto à tua morada, que permanece estática. Talvez para sempre, quem sabe...

Mas porque há registos que têm de ser feitos. E porque gostei, quis procurar mais, até entrar nesse mundo, de tantos outros, mas muito meu...

6.6.06

Até naquela praia...


de olhares

Foi já há algum tempo que pisei aquela praia pela primeira vez. A areia era fina e branca. Provavelmente teria sido peneirada durante longos anos. O sol brilhava com grande intensidade. Senti-me bem. Fiquei por ali. Uma década, talvez um pouquito mais. E ali teria ficado para sempre. Bastava que a minha vida fosse feita de sol, areia e mar.

E ali comecei a construir a minha casa. Com grande ambição. Tentei que nada faltasse e que tudo fosse colocado no devido lugar, no tempo certo. E foi vê-la, de dia para dia, a surgir. Nem as paredes, nem o telhado me impediram de ver o sol, de sentir a areia, de ouvir o mar. Quando me pareciam distantes, corria à janela, olhava e sorria.

Já a areia e o mar parece não terem gostado daquela fortaleza. A casa foi rachando pois o solo não era firme. O mar tentava entrar. Primeiro de mansinho, até chegar o Inverno e vê-lo enfurecer-se contra as suas paredes. No início não me entristeci. Era daquela praia que eu gostava, era ali que me sentia feliz, era ali que queria ficar. E, tal como eu roubara um pedacinho à praia, compreendia que ela quisesse um pedacinho de mim. Mas necessitava do meu próprio mundo, que fosse só meu de vez em quando, e para isso ia reparando os estragos que aqueles companheiros iam causando. Sempre com serenidade, pois sabia bem senti-los, ouvi-los.

Até que houve um dia que a casa ruiu. Irreversivelmente. Os tijolos amontoados com tanto cuidado haviam-se desmoronado. E o mar foi levando tudo o que eu sonhara e em que outrora acreditara.

Nesse dia percebi que em todas as praias, por mais bonitas e cativantes que sejam, só se constroem cabanas.

1.6.06

Ontem...


de EmparaLeLo

...completarias 14 anos. Destes 14, 13 anos e 9 meses seriam a meu lado. Sim, porque desde a primeira vez que te vi, nunca mais tive vontade de te abandonar. E sempre desejei que não me abandonasses nunca. Mas assim não foi. A vida tem destas coisas e, inevitalvelmente, o natural seria partires primeiro. Para lado nenhum, que eu não creio que haja um porto no fim dessa linha. Somente partiste para longe, muito longe de mim.

Dizem que hoje é o dia da criança. Sim, eu sei, deveria ser todos os dias. Mas é que hoje teimam em relembrá-lo. Aqui estou, no dia seguinte, novamente a recordar-te. Foste a minha menina. Contigo brinquei, de ti cuidei, a ti me abracei e muito chorei... sempre contigo! Agora para aqui estou. Deixaste-me sozinha com a minha gente. Gente egoísta, gente cruel. Pois, eu sei, já sou bem crescidinha e deveria ter aprendido a viver neste meu mundo. Mas podias estar aqui pelo menos naqueles momentos em que a lágrima cai e eu preciso de te abraçar. Eu sei que é em vão, mas pedi...

O meu pai acha que esta dedicação deveria era ser dada a um filho. Talvez tenha razão. Eu sei que a tem. Mas tu substituiste-o enquanto eu não amadurecia, enquanto eu aprendia. Talvez agora comece a pensar em cuidar de um ser como eu, neste mundo egoísta que é o nosso, para depois lhe dar um ser como tu para abraçar, cuidar e brincar.

E nessa altura, hoje será o dia dele. Até agora, hoje era o teu dia, enquanto eu brincava às mamãs e tu eras a minha criança.