5.8.08

Ironias de uma vida

Passamos uma vida inteira em quezílias com o nosso companheiro por causa do que é suposto ser e do que é suposto fazer. E no que toca ao último ponto, a vida mais uma vez mostrou-se-me irónica.

Vivi repleta de amuos e depressões por todos os quilómetros corridos até casa, sozinha e a altas horas da noite, sem ter, à distância desses mesmos quilómetros, alguém que desejasse e esperasse por um telefonema, uma mensagem ou um simples toque. E tentei convencer-me que realmente era ridícula e exagerada como tantas vezes me havia dito. Mas ficava sempre aquele vazio. A cadela já não me esperava à porta de casa e, mesmo que ainda o fizesse, nunca saberia discar algum número de telefone e pedir socorro. Poderia nunca chegar ou não conseguir levantar-me no dia seguinte. No escritório ninguém daria pela minha falta. Não tinha horários e não eram raros os dias em que ficava por casa a labutar. Só mesmo o telefonema às 5 da tarde do dia seguinte soaria a toque de emergência. Sim, porque aqueles telefonemas de bons dias, amor sempre lhe pareceram ridículos e os da hora de almoço soavam-lhe a picar de ponto. E convencemo-nos, ao longo de uma vida, que as estórias observadas em filmes não são mais do que isso: estórias.

Nos últimos tempos, tudo o que era suposto ser e suposto fazer e nunca se era ou se fazia, deixou realmente de fazer sentido. Há até quem lhe chame independência. E até que consigo viver bem com ela. Conformada, confortada, sem amuos e depressões. Até que, na noite passada, enquanto abro a porta do prédio a certas horas da madrugada, recebo aviso de mensagem de alguém para quem não seria suposto fazer: “Eu cheguei bem, e tu?”

2 comentários:

Sofizita disse...

É impressionante o quanto eu me identifiquei!

A dobrar ;)

6to100tido disse...

São estórias de uma vida iguais a tantas outras vidas ;)