27.4.06

Abril



Quando, anteontem, preparei o post abaixo, pensava-o como um preliminar a outro post que se seguiria durante o dia. Mas assim não foi. Gastei o meu feriado a ver dois filmes que a televisão pública resolveu passar: um sobre a inquisição e outro sobre a revolução. A meu ver, muito bem escolhidos. Também não fui à Baixa. Elas, mãe, tia e avó, vão sempre. Há 32 anos. Eu, tal como anteontem, também não estive lá nesse dia.

Depois de andar por aqui, ali e acolá percebi que nada mais poderia dizer. Ou melhor, que o pouco que eu poderia dizer, fruto de leituras, conversas ou investigações, estava já lá dito. Então achei que já não fazia sentido escrever algo. Até realizar que, mesmo dizendo pouco, teria de deixar uma marca neste blogue sobre essa data, tal como essa data deixou uma marca em todos os que o lêem.

Não vivi Abril. Nem sei se sei bem o que isso foi. O meu pai não esteve no Ultramar, ninguém que me é próximo esteve preso ou exilado, nunca me faltou comida na mesa, ... Mas mesmo assim, todos os 25 de Abril, eles, pais, tios e avós, desciam à Baixa para festejar. Isto fez com que toda a minha vida procurasse sentir o que Abril teria sido. Hoje sinto um vazio. Porque não estive lá. Porque, por mais que julgue saber o que terá sido, nunca sentirei a emoção que muitos de vós sentistes.

Dizem que havia muita fome. Que os homens eram mandados para as colónias para escravizar os que trabalhavam nas terras que só a eles pertenciam. Dizem que não podíamos ser contra o regime. Que não podíamos falar. Tive a oportunidade de ser pupila de um grande senhor que teve de se exilar na América Latina. Parece que aqueles encontros que eles faziam para falar da sua ciência eram proibidos. Engraçado, nos dias de hoje frequento-os semanalmente e são vistos como uma mais valia ao desenvolvimento da ciência, ao desenvolvimento do meu país. O meu Professor teve de ir para longe para fazer o que muito bem sabia fazer. Aqui, estava proibido.

Não vivi Abril. Nem sei bem se o sinto com a força que ele merece. Anteontem vivi-o em silêncio. Desapontada com aqueles que, tal como eu, se alaparam no sofá ou foram apanhar banhos de sol numa esplanada qualquer, felizes por terem um feriado que não sabem o que representa e nem querem dar-se ao trabalho de o tentar entender. Talvez eles, tal como eu, não tenham tido um pai no Ultramar. Talvez nunca lhes tenha faltado a comida na mesa. Talvez nunca lhes tenham tapado a boca. Simplesmente porque nunca a abriram para proferir uma opinião.

Gosto de dizer o que penso. Posso dizer o que penso. Posso dizer ao meu país que acho que ele caminha errado, quando eu assim acredito. Mesmo estando eu errada. E isto é viver Abril. Não um dia que passou, mas um posto que nesse dia foi alcançado e que todos juntos lutaremos para que seja eterno. E porque hoje ainda é Abril, e porque desejo que o seja todos os dias, aqui ficam as minhas palavras. Porque as posso pronunciar.

Abril, sempre!

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