22.3.06

estórias de uma vida igual a tantas outras


O Pedro e eu terminamos. Ainda gosto muito dele, mas isso não basta. O amor é tudo quando vivemos numa redoma. E isso pode durar dias, semanas, meses até. Mas há um dia em que nos apercebemos que no mundo não estamos só os dois, que o nosso mundo não é feito unicamente dos momentos que escolhemos partilhar. Há todo um quotidiano que outrora construímos e que nos faz ser quem realmente somos. E esse quotidiano não pode morrer. Pode adormecer por momentos, até ao dia em que temos de voltar ao ser que deixamos lá fora, fora das quatro paredes deste nosso quarto. O Pedro não quis percorrer comigo as ruas desta cidade. Percebi isso hoje. Daí ter aceitado serenamente a separação.


Triiim...
"Está?"
"Olá Mariana. Logo à noite há bolinho cá em casa. Apareçam."
"Err…" Mas a chamada termina.


Decidi percorrer estes dias lentamente. Passar tranquilamente as tardes de domingo em família. Aninhar-me no colo dos amigos. Hoje é sexta-feira. Estou cansada da semana que passou. Mas mesmo assim aceito o convite da Andreia. A Beatriz, a Catarina e a Diana também vão lá estar. E eu preciso das palavras delas. Já gastei as minhas.

Triiim...
É uma da tarde de segunda-feira. A campainha da fábrica toca. Catarina bate à porta do gabinete da Eunice. Só têm uma hora para almoço. E às segundas é sempre apertado para tudo o que se quer conversar. "No sábado a Mariana apareceu sem o Pedro. Achamos estranho. Talvez ele tenha tido compromissos, mas nem arriscamos perguntar. Sabes de alguma coisa?" "Não. O Fernando não me disse nada. Mas sabes bem como os homens são. Nem reparam nessas coisas. E mesmo que o Pedro lhe tenha dito alguma coisa, provavelmente nem se lembrou de me contar."


Este fim-de-semana resolvi não sair de casa. Já passaram duas semanas e começo a sentir a falta dele. De chegar à sexta-feira e pensar qual será o restaurante eleito. De passar o sábado à tarde aconchegadinha nos seus braços. Decidi faltar ao café. Na semana anterior foi estranho. O pessoal pareceu-me distante.

Triiim...
"Olá Joana. Dá-me o número de telefone da tua esteticista. É que a minha meteu férias."
"Férias no Inverno, Diana?”"
"Deve ter ido para um daqueles destinos tropicais. Sai mais barato nesta altura e sempre pode vir a pavonear-se com o seu bronze."
"Tens tido notícias da Mariana?"
"Parece que aquilo terminou mesmo. Ela nem tem aparecido."


Passou-se um mês. Chego tarde a casa e invento qualquer coisa rápida para comer. Não faz sentido saborear sozinha aqueles petiscos que adorava inventar só para ele. Arrasto-me para o computador onde passo o meu serão. Sinto-me só.

Triiim...
"Olá gaja. Que tal uma noite de compras?"
Quarta-feira, 21:30. Beatriz e Helena resolvem descomprimir a meio da semana. E não há melhor que uma noite no shopping. "Tens falado com a Mariana?" "Encontrei-a na semana passada lá perto do escritório. Fomos lanchar. Tinha um olhar triste. Mas só conversamos sobre a viagem que eu e o Guilherme estamos a planear fazer no Verão."


O Ivo convidou-me para ir tomar café. Surpreendeu-me. Eram um hábito os nossos cafés a três. Mas sempre senti que o meu lugar ali era o da namorada do amigo. Hoje vejo que o Ivo até gostava da minha companhia. Estivemos juntos cerca de três quartos de hora em grande cavaqueira. Voltei para casa a sorrir. Talvez esteja a ser demasiado negativa. Talvez não esteja a saber contornar a minha solidão.

Triiim...
"Então paneleiro? Já nem apareces. Deves andar muito ocupado com as gajas."
"Não Ivo. Isto até anda muito calmo."
"Olha, vais à festa da Joana? Parece que aquilo vai ser em grande."
"Não, pá. Não vai dar para aparecer."
"Ó gajo, não te preocupes. Está tudo controlado. A cachopa não vai estar lá."


Os dias continuam a passar. E se há dias em que não penso nele, outros há que agonizo. Choro até ficar um pouquito melhor. Deixei de ir ao café onde nos reuníamos ao sábado à noite. Vinha sempre de lá com um vazio. Ia à procura de uma mão e voltava só com as minhas duas, e sempre as minhas duas. Até que neste último domingo decidi voltar a provar os bolos deliciosos da Andreia. Estavam lá todos: a Beatriz, a Catarina, a Diana, a Eunice e o Fernando, o Guilherme e a Helena, o Ivo (o único com quem continuei a tomar aquele café rápido e descomprometido) e até a Joana. Só faltava o Pedro. Mas já me habituei à sua ausência. Notei uns olhares de cumplicidade entre eles. Senti que todos eles partilhavam a minha dor em silêncio. Devem ser bons amigos. Não encontro outra razão para gastarem o seu tempo a falar de nós, da Mariana e do Pedro. E parece-me que o fazem. Entre eles, só. A única coisa que estranho em tudo isto é o meu telefone ainda não ter tocado…

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