28.4.06

A invenção do amor (II)





Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor


Daniel Filipe
A invenção do amor




de EmparaLeLo

27.4.06

Abril



Quando, anteontem, preparei o post abaixo, pensava-o como um preliminar a outro post que se seguiria durante o dia. Mas assim não foi. Gastei o meu feriado a ver dois filmes que a televisão pública resolveu passar: um sobre a inquisição e outro sobre a revolução. A meu ver, muito bem escolhidos. Também não fui à Baixa. Elas, mãe, tia e avó, vão sempre. Há 32 anos. Eu, tal como anteontem, também não estive lá nesse dia.

Depois de andar por aqui, ali e acolá percebi que nada mais poderia dizer. Ou melhor, que o pouco que eu poderia dizer, fruto de leituras, conversas ou investigações, estava já lá dito. Então achei que já não fazia sentido escrever algo. Até realizar que, mesmo dizendo pouco, teria de deixar uma marca neste blogue sobre essa data, tal como essa data deixou uma marca em todos os que o lêem.

Não vivi Abril. Nem sei se sei bem o que isso foi. O meu pai não esteve no Ultramar, ninguém que me é próximo esteve preso ou exilado, nunca me faltou comida na mesa, ... Mas mesmo assim, todos os 25 de Abril, eles, pais, tios e avós, desciam à Baixa para festejar. Isto fez com que toda a minha vida procurasse sentir o que Abril teria sido. Hoje sinto um vazio. Porque não estive lá. Porque, por mais que julgue saber o que terá sido, nunca sentirei a emoção que muitos de vós sentistes.

Dizem que havia muita fome. Que os homens eram mandados para as colónias para escravizar os que trabalhavam nas terras que só a eles pertenciam. Dizem que não podíamos ser contra o regime. Que não podíamos falar. Tive a oportunidade de ser pupila de um grande senhor que teve de se exilar na América Latina. Parece que aqueles encontros que eles faziam para falar da sua ciência eram proibidos. Engraçado, nos dias de hoje frequento-os semanalmente e são vistos como uma mais valia ao desenvolvimento da ciência, ao desenvolvimento do meu país. O meu Professor teve de ir para longe para fazer o que muito bem sabia fazer. Aqui, estava proibido.

Não vivi Abril. Nem sei bem se o sinto com a força que ele merece. Anteontem vivi-o em silêncio. Desapontada com aqueles que, tal como eu, se alaparam no sofá ou foram apanhar banhos de sol numa esplanada qualquer, felizes por terem um feriado que não sabem o que representa e nem querem dar-se ao trabalho de o tentar entender. Talvez eles, tal como eu, não tenham tido um pai no Ultramar. Talvez nunca lhes tenha faltado a comida na mesa. Talvez nunca lhes tenham tapado a boca. Simplesmente porque nunca a abriram para proferir uma opinião.

Gosto de dizer o que penso. Posso dizer o que penso. Posso dizer ao meu país que acho que ele caminha errado, quando eu assim acredito. Mesmo estando eu errada. E isto é viver Abril. Não um dia que passou, mas um posto que nesse dia foi alcançado e que todos juntos lutaremos para que seja eterno. E porque hoje ainda é Abril, e porque desejo que o seja todos os dias, aqui ficam as minhas palavras. Porque as posso pronunciar.

Abril, sempre!

25.4.06





Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
...
Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
...
Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.

Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
...
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
...
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
...
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
...
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!

José Carlos Ary dos Santos
As portas que Abril abriu

19.4.06

Recusa


de EmparaLeLo

Não terás para me
Dar
Quotidiano contigo

abrigo
corpo despido

Nem terás para me
Dar
a segurança do perigo

mais do que o gesto
ocupado

o afago
o desmentido

Não terás para me
dar
o espanto de estar contigo


Maria Teresa Horta
Recusa

18.4.06


Isto de ter mini-férias cansa... Estou estafada. Há sempre n coisas para fazer, outras n pessoas para visitar e depois é isto, deixamos o blogue para aqui abandonado, entregue aos 6 visitantes diários (sim, já são 6!). Ufa, amanhã já começa mais um longo período de trabalho, cheinho de pausas para vir aqui escrever e ir por aquela coluna ali ao lado viajar para outras paragens. Mas por agora vou responder aos 17 comentários que uma leitora nossa resolveu despejar para aqui e resolver uns problemas de uns links que andam por aí a falhar. Já volto!

14.4.06

A Luz


daqui

Estico o braço, na esperança de tocar a luz. A luz do meu viver, dos meus sonhos, das minhas alegrias, das minhas conquistas...
Nunca a tocarei de verdade, nunca a terei na palma da mão. Porém, vou absorvendo a sua luminosidade, tendo a certeza que nunca desisti de lhe tocar.

11.4.06

Vida


daqui

Nunca se pode saber o que se deve querer, porque só se tem uma vida que não pode ser comparada com vidas anteriores, nem rectificada em vidas posteriores.


Milan Kundera - " A insustentável leveza do ser "

8.4.06

Renascer


de EmparaLeLo

Sim amiga, já estão secos os ramos. Durante meses cuidaste dela diariamente. E todos os dias sorrias pela nova folhinha que teimava em desabrochar. Mas o Inverno chegou. Ela viu-se desamparada. Sem ninguém a rodeá-la, a protegê-la. Tentou vingar. Mas o vento era demasiado forte e soprava de todos os lados. E refúgio, nem vê-lo. Deixaste de a regar. Não necessitava, a água era bastante. Abrias os braços, tentavas esticá-los mesmo muito, mas nunca chegaram a ser grandes. Sim amiga, já não têm seiva, os ramos.

Mas olha, agora que não há folhas, consegues ver lá ao longe o sol a nascer? Nunca havias reparado nele, pois não? Ela não permitia que os seus raios trespassassem até aos teus olhos. E olha ali o chão. Não te parece uma plantinha a nascer? Talvez não seja. Talvez sejam somente os meus olhos a quererem ver. Ainda é cedo amiga. O dia só agora despertou. Vamos esperar só mais um pouquinho. E vais ver que estou certa.

7.4.06

6.4.06

Já não há pachorra!


do sítio do costume

Estou farta. Sempre que entro nesta casa ouço o ram-ram do costume. E se há dias em que estou para aí virada, outros há que não posso ouvir esta treta. Não é que não goste dela, da musiquinha dali do lado, mas sinceramente... este blogue já estava a ficar demasiado lamechas! E hoje não me apetece ouvir disto. Talvez Rammstein ou algo mais forte que me lixe o juízo. Mas também não comprei nenhum cd deles e parece que não me deixam sacar as músicas da net. Pois então companheiros, sempre que aqui entrarem cantem bem alto

Es fließt durch meine Venen
Es schläft in meinen Tränen
Es läuft mir aus den Ohren
Herz und Nieren sind Motoren


E se insistirem na balada do costume é só clicar no play ali na barra lateral. Para mim chega!

5.4.06

O maior palavrão português


Já todos um dia resolvemos dissertar sobre qual seria a maior palavra do idioma português. Lembro-me, em criança (há muito pouco tempo;)), brincar com otorrinolaringologistas ou anticonstitucionalissimamentes. Até que hoje, ao abrir o meu correio electrónico, satisfazem a minha curiosidade, desvendando tal mistério. E como devemos sempre acreditar nas mensagens que nos enchem as caixas, e por o meu dicionário (Porto Editora 2003, passo a publicidade) não apresentar tais palavras compostas, e ainda por eu não ser perita na nossa língua portuguesa, e até mesmo por não me apetecer nem ter tempo de averiguar a veracidade de tal facto, deixo-vos com esta informação que dou como um dado adquirido...


4º lugar: Inconstitucionalissimamente (27 letras)

3º lugar: Oftalmotorrinolaringologista (28 letras)

2º lugar: Antinconstitucionalissimamente (30 letras)

1º lugar: Pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico (46 letras)

registada no novo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tendo por definição «estado de quem é acometido de uma doença rara provocada pela aspiração de cinzas vulcânicas»

4.4.06

Um só


de EmparaLeLo

Aqui seremos só tu e eu. Os teus olhos percorrem o meu corpo aproveitando o rasgo de luz que penetra pela fenda da rocha. Fixo-te com o meu olhar. Agarras um pedaço de neve e exploras o teu caminho. Sinto-o quente. Derreto-o. Estática, sigo as tuas mãos e vejo-o desaparecer entre os teus dedos. Deslizas agora desenvoltamente sobre o meu corpo húmido, macio, sereno. E, como se não bastasse, queres saber qual o sabor do momento. Com calma e ternura. O tempo deixou de existir. Segues o feixe de luz que me visita, escorregas as tuas mãos, saboreias o momento. Até nos tornarmos num só.

3.4.06

1.4.06

Asas II


da net

Quantas vezes, te olhei, te admirei, sempre em silêncio. Falava, falava, sem fim, tentando com que as minhas palavras escondessem aquilo que os meus olhos diziam.
Foram conversas a fio, manhãs, tardes, almoços, telefonemas, pequenos nadas, repletos de tudo…Bastava o teu nome, e os meus olhos brilhavam.
Aprendi a viver, lado a lado, com esse sentimento. Um sentimento, que eu própria não conseguia decifrar. Amizade? Amor? Paixão?
Decidida, como sempre, travei uma luta, comigo mesma, fazendo imperar a Amizade. Talvez tenha sido este o grande erro. Convencida da Amizade, não vi o Amor chegar.
Um dia, caminhavas a meu lado, e sem mais abraçaste-me. Senti algo inexplicável, senti-me protegida do mundo.
Um outro dia, chegaste e voltaste a abraçar-me, mas desta vez, assim permanecendo, beijaste-me o rosto com todo o carinho.
Ligavas, só para dar duas de letra.
E depois de tudo isto, só percebi que algo poderia acontecer, no dia em que me deste um beijo no canto da boca.
Agora, era tarde para controlar sentimentos.
Saltei para um mundo só nosso, por mim inventado, e apressei-me a construir as asas, na certeza que me iriam fazer falta.
Muita coisa conteceu depois desse dia. Hoje, certa de que o fim chegou, bato as asas inacabadas, tentando voar de volta ao meu mundo.
Agora, queria ser capaz de voltar a falar, a falar sem fim. Mas, perante ti, sinto uma apatia, um silêncio que me corroi.Talvez por saber que não há palavra capaz de esconder o que os meus olhos dizem...